O chamado “caso Mateus” atingiu níveis de complexidade elevados, suportando-se em áreas jurídicas diversas – desportivas, laborais, constitucionais e comunitárias. Para complicar todo o processo tem-se criado ainda algumas confusões no que diz respeito ao papel assumido e a assumir pelas diversas entidades envolvidas. Tornou-se num problema politico que ultrapassa largamente os contornos internos, sendo difícil, no presente, ter a noção clara da dimensão do mesmo e das suas consequências futuras. Há quem defenda e diga que estas poderão vir a tornar-se bem mais complicadas do que as do “caso Bosman”.
Desta vez, todos os envolvidos, os que gostam de futebol, os que não gostam, os que dizem que não gostam mas lá no fundo estão intensamente apaixonados. Todos, opinam, é a conversa generalizada e intensa - nas casas, nos empregos, nos jornais, nas rádios e televisões. O problema ultrapassou fronteiras e é hoje também caso lá fora. A FIFA e a UEFA estão atentas e esperam a oportunidade adequada para desferirem o “castigo exemplar”, por isso, e porque não querem perder tempo, pressionam. Para a Itália o “caso Mateus” foi o pretexto para sair de cena e desviar as atenções. Uma dádiva, depois do título de campeões do mundo foi a cereja em cima do bolo.
Em torno do caso muita coisa importante foi discutida sendo possível, com algum bom senso, concluir o seguinte:
a) A excessiva lentidão com que a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga de Clubes Profissionais abordaram os problemas inerentes. Decorrendo desse comportamento a atribuição de responsabilidades a essas instituições que importa virem a ser assumidas rapidamente;
b) Do ponto de vista desportivo o Gil Vicente procedeu e agiu mal e merece, por isso, ir para a divisão de honra. De facto atentou e sobretudo não respeitou os regulamentos da Liga e da Federação que livremente e na devida altura subscreveu e aceitou cumprir. Efectivamente o futebol e as suas competições federadas não podem - correndo o risco de ficarem bloqueadas - estarem sujeitas aos prazos e formalismos próprios da justiça comum;
c) Do ponto de vista Administrativo (jurídico ou laboral) o Gil Vicente, provavelmente, terá razão. E nesta caso, apenas os tribunais comuns poderão dirimir a situação em sede própria, justificando-se o recurso aos mesmos e assim cumprir-se um elementar direito constitucional, o direito de todos à justiça;
d) A forma incorrecta - porque atentatória dos seus elementares direitos desportivos, sociais e económicos - como o cidadão imigrante Mateus foi tratado ao longo deste processo;
e) O facto de toda a problemática subjacente ultrapassar os meros interesses e contornos internos – sendo correcto dizer que a mesma é extensível aos outros países e às respectivas instituições responsáveis pela gestão do futebol e membros da FIFA.
Posto isto, sinceramente não percebo a reacção da FIFA. Será que esta foi mal informada? Ou será que esta não está interessada em ceder naquilo que tem que ceder ou seja, na aceitação do diálogo e da discussão com vista à uniformização de princípios e procedimentos? Na minha modesta opinião a FIFA só tem a ganhar com o diálogo, não sendo tolerável que siga caminhos sancionatórios e atentatórios de alguns dos valores democráticos essenciais, designadamente dos elementares direitos constitucionais – garantes da autonomia contratual e da livre circulação das pessoas. Assim, por convicção, considero que o caminho correcto a seguir não é o da mera penalização por parte da FIFA – muito menos através de ameaças – das Federações inscritas em que muitas delas pertencem a Estados Democráticos de Direito.
Porque é uma das partes importantes do processo e porque não tem tido o tratamento jornalístico esperável, gostaria de deixar aqui uma palavra de atenção ao atleta internacional angolano envolvido, formulando a seguinte pergunta: E o Mateus que é feito dele?
Pedro Vieira (pedro.vieira55@gmail.com) |
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